3 de noviembre de 2011

BRASIL: FRANCISCO TENÓRIO CERQUEIRA JR. - FINALMENTE HOMENAJEADO‏.

MOVIMENTO DE JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS/Brasil INFORMA:
RETRATOS DE UMA HISTÓRIA
Nos anos 70, Tenorinho tornou-se um dos mais respeitados músicos brasileiros.
Por Gelson Farias - Jornalista
Desaparecido desde 1976, quando tinha 35 anos o músico brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Jr., 33 estava para uma temporada no Teatro Rex, em Buenos Aires. Ele excursionava na capital portenha, acompanhando o violonista Toquinho e o poeta Vinícius de Moraes. Tenorinho, como era conhecido, foi detido na noite de 18 de março de 1976, logo após ter deixado o Hotel Normandie para procurar uma farmácia em busca de medicamentos. Foi tragado pela rede clandestina da repressão oficial sem deixar pistas.
Toquinho e Vinicius
Na época, Vinícius, Toquinho e mais alguns amigos, como o poeta Ferreira Gullar que se encontrava exilado em Buenos Aires mobilizaram-se inutilmente. Procuraram em hospitais e delegacias e buscaram ajuda na embaixada brasileira. O governo brasileiro, em 1976, informou que nada sabia e o Itamaraty anunciou que “faria todo o possível” para localizar o pianista desaparecido. Naquela noite, quando caminhava por Buenos Aires, foi detido por quatro homens que estavam em um carro Ford Falcon, cinza de quatro portas. Tenório foi confundido com um militante procurado pela ditadura argentina e levado preso.
Hotel Normandie
Por falar bem espanhol e com sotaque portenho, não acreditaram que fosse brasileiro músico e inocente. Segundo o que foi apurado, dois dias após o desaparecimento, O Comando dos Grupos de Tarefas (GT) formado por patrulhas da Polícia do Exército argentino (homens em trajes civis) informaram através de um comunicado que no dia 18 de março de 1976, ás 23 horas da noite, nas proximidades de Praça Constituição, surpreenderam um ativista político que estava em atitude suspeita. Quem assinou este comunicado foi o agente Federal Juan Aguirre, que na época era chefe do Serviço de Imigração (SI) localizado junto ao guichê 03 Polícia Federal Argentina, no Aeroporto de Ezeiza e neste dia, era o oficial de serviço no Comando da Zona Um. Enquanto tudo isso acontecido nos gabinetes, os policiais passaram a torturar o músico brasileiro com a colaboração, a partir do quinto dia, de agentes brasileiros da Operação Condor, braço internacional das ditaduras argentina, brasileira, chilena e uruguaia. Dali Tenório foi dado como “desaparecido”, e o Brasil nunca se empenhou.

A chamada “Operação Condor”, através da qual as ditaduras militares do Brasil, Chile e Argentina realizaram operações conjuntas, de prisões, torturas e assassinatos de opositores dos três regimes, numa ação internacional contra-revolucionária, que lançou na clandestinidade toda uma geração de militantes e revolucionários, que lutavam pela democracia e autonomia dos povos latino-americanos. Os Grupos de Tarefa (GT) estavam encarregados de realizar os seqüestros, geralmente de noite. Imediatamente os detentos-desparecidos eram levados ao Centro de Detenção, onde permaneciam constantemente encapuzados e nus. Ali eram severamente torturados e interrogados pelos mesmos integrantes dos GT. O tempo deste período inicial de tortura variava consideravelmente, mas em termos gerais pode dizer-se que oscilava entre dois e quinze dias.

Durante sua permanência no CD procedia-se sistematicamente à desumanização dos detentos-desaparecidos mediante diversos procedimentos: substituição do nome por um número, violações, humilhação, condições intoleráveis de alojamento, desnudes forçada, racismo, anti-semitismo, homofobia, etc. Também existiu uma política e um procedimento comum para as detentas-desaparecidas que se encontravam grávidas. Nesse caso se se postergava o assassinato e produzia-se um parto clandestino com exclusão da identidade do bebê, que era entregue para sua criação a pessoas intimamente vinculadas ao sistema repressivo, e em alguns casos partícipes do assassinato dos pais e/ou mães biológicos. Cinco grandes centros foram o eixo de todo o sistema: a ESMA e Clube Atlético na Cidade de Buenos Aires; o Campito (Campo de Maio) Vesúvio, Grande Buenos Aires, La Cacha, (e a Pérola em Córdoba.
Francisco Tenório Cerqueira Jr.
Ícone da Bossa Nova, Tenorinho foi mais um dos inúmeros assassinados pelos sangrentos regimes ditatoriais que se instalaram na América Latina ao longo do século XX. Tenório nasceu e foi criado no bairro das Laranjeiras, na cidade do Rio de Janeiro e despontou muito cedo, através de um estilo de samba jovem como ele, a bossa nova. Com sua barba e cabelo comprido, Tenório Jr. assemelhava-se ao “típico militante de esquerda” daquela época. Preencher um estereótipo foi o suficiente para que fosse preso pelos militares que já arquitetavam o golpe do dia 24 de março de 1976 e buscavam eliminar toda e qualquer resistência organizada antes de executá-lo contra o governo. O fato de Tenório não saber absolutamente nada sobre coisa alguma, e não poder assim dar informações durante o interrogatório, deve ter sido o suficiente para despertar a ira dos seus algozes.

Em 1964, aos 21 anos, Tenório gravou seu primeiro e único disco, Embalo. Ao seu lado, os músicos Sérgio Barroso (baixo), Milton Banana (bateria), Rubens Bassini (congas), Celso Brando (violão), Neco (guitarra), Pedro Paulo e Maurílio (trompete), Edson Maciel e Raul de Souza (trombone), Paulo Moura (sax alto), J. T. Meirelles e Hector Costita (sax tenor). Desde então, e ao longo dos anos 70, Tenorinho, como também era conhecido, tornou-se um dos mais respeitados músicos brasileiros. Ao mesmo tempo em que desenvolvia uma carreira como pianista, gravando discos (naquela época era assim que se chamavam os Lps) e apresentando-se ao vivo, principalmente nas casas noturnas do “Beco das Garrafas”, também cursava a Faculdade Nacional de Medicina.
Argentino Claudio Vallejos, mais conhecido por El gordo.
Em 1986, o ex-torturador argentino Claudio Vallejos, que integrava o Serviço de Informação Naval (ex-oficial da ESMA na ditadura Argentina, teve momentos de fama na década de 70 e 80 quando passava informações sobre a repressão aos três países. Antes, como suboficial da marinha, ele muitas vezes foi motorista de oficiais do alto comando do Exército, Marinha e Aeronáutica). Em uma entrevista à revista La Semana, Vallejos descreve como uma operação cirúrgica a sua participação no seqüestro do embaixador Hector Hidalgo Solá, da União Cívica Radical (UCR) ocorrida em 11 de unho de 1977. Ele diz na entrevista que conhecia muito bem o embaixador, e que por isso foi bem mais fácil seqüestrá-lo. Vallejos e o Vice-Almirante Rubén Jacinto Chamorro, se encontraram com o capitão Jorge Eduardo Acosta conhecido por El Tigre, ajudante de ordem do Almirante Emílio Massera. No encontro, receberam a ordem, de Massera para seqüestrar o embaixador Hidalgo Solá, e levá-lo para a ESMA. Ele revelou detalhes sobre o desparecimento das freiras Francesas Alice Duman e Léonie Duquet que foram atiradas de um avião no oceano, no caso que ficou conhecido co o vôo da morte. Além disso, conta que participou na prisão e no destino de diversos brasileiros nas mãos da ditadura Argentina: Sidney Fix Marques dos Santos, Luiz Renato do Lago Faria, Maria Regina Marcondes Pinto de Espinosa, Norma Espíndola, Roberto Rascardo Rodrigues e Francisco Tenório Jr, que caminhava pela Avenida Corrientes. Disse que confundiram Tenório, com outro ativista político, porque ele estava com barba grande e tinha um toque de ser intelectual. Vallejos faz outra revelação na entrevista...
Vice-Almirante Rubén Chamorro,
“No dia 20 de março de 1976, Rubén Chamorro, pede autorização para estabelecer contato com o agente de ligação, código de guerra 003, letra C, do SNI do Brasil’, para que informasse a central do SNI no Brasil que o grupo de tarefa chefiado por Acosta estava ‘interessado na colaboração para a identificação e informações sobre a pessoa do detido brasileiro Francisco Tenório Jr.’”

O Suboficial faz outra revelação. Conta que foi o tenente Alfredo Astiz que matou o músico brasileiro. Perguntado como tudo aconteceu, ele diz:

Morreu com um tiro na cabeça. E quem fez o disparo com uma pistola, foi o tenente Alfredo Astiz. O fato ocorreu no porão da casa velha, na ESMA. O corpo do músico, ele diz que não sabe onde foi enterrado. No final da reportagem ele se define com mais jovem agente de contra informação do mundo.

“Tudo que fiz foi para o bem do povo argentino e para manter o bem estar da nação sem o comunismo. Disse que nos anos 80 muitos oficiais argentinos, Chilenos e Uruguaios fugiram para o Brasil e moraram por tempos no Rio de Janeiro, Vitória e Bahia. Outros podem estar camuflados na imensidade do Brasil como acredita Jair Krischke do Movimento de Justiça e Direitos Humanos de Rio Grande do Sul”. Disse Vallejos.

O Vice-Almirante reformado Rubén Chamorro, ex-comandante da Escola de Mecânica da Marinha argentina (ESMA) principal centro de tortura de opositores durante o regime militar, foi preso em preso em 1984, e ficou durante todo este período sob custódia. Rubén Chamorro morreu dia 3 de junho de 1986, aos 58 anos, de ataque cardíaco, em Buenos Aires.

Outro documento, em ofício assinado por Acosta é dirigido ao embaixador, em nome do “Chefe da Armada Argentina”, e datado de 25 de março de 1976, quando a embaixada brasileira era comunicada sobre o seguinte:

1) Lamentamos informar a essa representação diplomática o falecimento do cidadão brasileiro Francisco Tenório Júnior, Passaporte n° 197803, de 35 anos, músico de profissão, residente na cidade do Rio de Janeiro;
2) O mesmo encontrava-se detido à disposição do Poder Executivo Nacional, o que foi oportunamente informado a esta Embaixada;
3) O cadáver encontra-se à disposição da embaixada no necrotério judicial da cidade de Buenos Aires, onde foi remetido para a devida autópsia.”
Márcia Adorno Ramos
Mesmo a embaixada brasileira tendo sido comunicada do assassinato de Tenorinho, no mesmo mês de março de 1976, o governo brasileiro jamais tomou a iniciativa de se comunicar com os familiares do músico, que não receberam sequer seus restos mortais. Em fevereiro de 2006, a Comissão de Mortos e Desaparecidos do governo federal reconheceu a culpa do Estado pelo desaparecimento do pianista Tenório Júnior. A relatora do processo de Tenório Júnior, Márcia Adorno Ramos, afirmou que, apesar de o fato ter ocorrido em outro país, o governo brasileiro pouco fez para tentar descobrir o paradeiro de Tenório. Ela acusou o Estado de não se esforçar.

“O fato de existirem lacunas nos arquivos das representações diplomáticas em Buenos Aires que pudessem esclarecer os fatos, não exime o Estado brasileiro de sua responsabilidade sobre a apuração do fato. Muito se noticiou na imprensa brasileira sobre o desaparecimento da vítima por parte de amigos e familiares, mas não há registro na imprensa da época, e nos anos seguintes, sobre o empenho das autoridades estatais a elucidar o caso. Houve total silêncio das autoridades no curso desses quase 30 anos do ocorrido. É dever do Estado a proteção de seus nacionais em quaisquer circunstâncias”, diz a relatora. O governo argentino reconheceu que Tenório foi vítima da ditadura instalada no país e pagou indenização à família.

A ditadura de 1976 concebeu uma atitude descentralizada para a execução. Atuaram como senhores da guerra. Como verdadeiros senhores feudais, instrumentando um plano sistêmico para cometer crimes de lesa humanidade. Em seis de maio de l976, o General Alfredo Oscar Saint-Jean governador militar da Província de Buenos Aires, declarou aos seus oficias, numa festa: Primeiro eliminaremos aos subversivos; depois a seus cúmplices; depois a seus simpatizantes; por último, aos indiferentes e aos mornos.

Nas ordens secretas do dia 17 de dezembro de 1976 ditadas pelo Chefe Estado Maior do Exército, General Roberto Viola, já não se fala de aniquilar "o accionar" dos subversivos, senão de aniquilar aos indivíduos:

No telegrama interno AT 183 da embaixada dos Estados Unidos na Argentina do dia 14 de maio de 1974 relata-se: Aplicar o poder de combate com a máxima violência para aniquilar aos delinqüentes subversivos onde se encontrem. A ação militar é sempre violenta e sangrenta. O delinqüente subversivo que usar armas deve ser aniquilado. O ataque executar-se-á mediante a localização e aniquilamento dos ativistas subversivos. As ordens devem detém a todos ou a alguns, se em caso de resistência passiva os aniquila. O governo militar proclamou que o alvo da repressão era o terrorismo, mas lhe dando um alcance pelo qual virtualmente podia compreender a qualquer pessoa. O general Videla declarava em 1978 aos Times de Londres que

"um terrorista não é somente alguém com uma arma de fogo ou uma bomba, senão também alguém que difunde idéias contrárias à civilização ocidental e cristã"

Tenorinho, afinal homenageado.
Deputado portenho Raul Puy
No dia 16 de novembro de 2011, às 14 h, a cidade de Buenos Aires, por iniciativa do deputado portenho Raul Puy, o músico brasileiro Tenorinho será homenageado com uma placa na fachada do hotel Normandie, Rua Rodríguez Peña, 320, de onde ele saiu para morrer.

Ela dirá:
“Aqui se hospedou este brilhante músico brasileiro, vítima da ditadura militar argentina”.
Envío:Cecilio M.Salguero

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