2 de agosto de 2015

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Movimento de Justiça e Direitos Humanos
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Anos de chumbo

O argentino que passou de sequestrador a criador de galinhas em Viamão

Ex-policial federal, integrante de uma lista de 63 repressores acusados de crimes contra a humanidade, Roberto González vivia tranquilamente em um sítio no interior de Viamão até ser capturado no começo deste mês

Por: José Luís Costa
27/07/2015 -

González ao ser preso pelos federais gaúchosFoto: Divulgação / Polícia Federal RS
Em meio a campos e cavalos na zona rural de Viamão, na pele de um modesto criador de galinhas, o ex-oficial principal da Polícia Federal em Buenos Aires Roberto Oscar González, 64 anos, em nada lembrava um repressor que atuou durante a ditadura Argentina (1976 a 1983). De codinomes Federico, Fede e Obdulio, chamado de Gonzalito pelos mais chegados, o ex-policial, capturado pela Polícia Federal (PF) gaúcha, escolhera o Rio Grande do Sul para se esconder da justiça argentina, que busca punir responsáveis por um massacre que fez desaparecer cerca de 30 mil pessoas.
O nome de González consta de uma lista de 63 repressores acusados de crimes contra a humanidade. Por informações que levassem a ele, o governo argentino oferecia R$ 180 mil. A mesma recompensa era estipulada a um colega, o agente federal Pedro Osvaldo Salvia, o Lobo, vitimado por uma doença, no mês passado, aos 63 anos, no Hospital de Viamão. Pesavam contra ambos crimes como sequestros e assassinatos – o mais rumoroso deles, o do escritor e jornalista Rodolfo Walsh.

Em junho de 2005, a Suprema Corte da Argentina anulou duas leis que anistiavam repressores e o Código Penal Militar, abrindo caminho para novos processos na Justiça comum. A opção de González e Salvia foi fugir para o Brasil. González deixou mulher e filha e se estabeleceu em Porto Alegre, onde tinha familiares. Salvia, solteiro, sem irmãos, mulher ou filhos, foi para o Rio de Janeiro.

A propriedade onde González morou sozinho nos dois últimos anos (foto de Mateus Bruxel/ZH)
Vivendo como clandestino (sem regularizar visto) na Capital, mas se apresentando com o nome e documentos verdadeiros, González abriu com parentes uma empresa de importação e exportação de hortifrutigranjeiros chamada Rumonorte, no bairro Jardim Botânico. A firma teria funcionado apenas por alguns meses. Em outubro de 2005, a justiça argentina declarou González e Salvia foragidos, e os nomes foram incluídos na lista vermelha da Interpol (Polícia Internacional). Oito anos depois, foi expedido um pedido de extradição ao governo brasileiro, e o Supremo Tribunal Federal emitiu ordem de prisão preventiva para os dois.
Recluso, González plantava chuchu e também vendia ovos
Agentes do Núcleo de Inteligência da PF gaúcha (representantes da Interpol) souberam que a empresa de González tinha registrado em nome dela um Peugeot 405 vermelho, ano 2005, com placas de Porto Alegre. Apesar de a empresa não operar mais, a Rumonorte seguia pagando o IPVA do carro em dia. A partir de uma multa aplicada ao carro em Viamão, os federais chegaram à propriedade rural em que González vivia no município. No local, funciona um criadouro de cavalos e uma oficina que fabrica touro sobre rodas, equipamento usado em treinamento de laço. González morava, havia dois anos, em uma antiga casa de alvenaria com três quartos, mobília velha e pátio com piscina abandonada. Vivia sozinho, não recebia visitas e pouco saía. Tratava os vizinhos com gentileza e, com ar de sofrimento, se dizia aposentado. Plantava chuchu, tempero verde, criava galinha, vendia ovos e fazia bicos na oficina do dono do sítio. Meses atrás, González havia acolhido Salvia. Vindo do Rio de Janeiro com mal de Parkinson, ele não sabia da morte dos pais, os únicos parentes ainda vivos. González dava comida na boca do amigo. Em 17 de junho, Salvia piorou. González o levou ao Hospital de Viamão, mas Salvia chegou lá sem vida. Temendo ser descoberto, González abandonou o colega na hora da morte. Até este domingo, o corpo seguia no Departamento Médico Legal à espera de um familiar ou responsável para o sepultamento.
Em 6 de julho, González foi preso. Desarmado, não reagiu. Pegou roupas, um livro espírita, R$ 1,5 mil que tinha em casa e foi levado a uma cela da carceragem da PF em Porto Alegre, à espera da extradição. Demonstrou frieza, sem arrependimentos, e o desejo de ficar preso no Brasil. Conhece as cadeias do seu país e, por ser quem ele é, sabe que não seria bem tratado por lá.

Sequestrador argentino consta em processo que apura morte de escritor

González fez parte de grupo que deu sumiço a músico brasileiro

O oficial da Polícia Federal argentina Roberto Oscar González, e o colega dele, Pedro Osvaldo Salvia, fizeram parte do Grupo de Tarefas 3.3/2 (GT 3.3/2), uma subdivisão das equipes da Escola de Mecânica Armada (Esma), organismo da marinha argentina que se notabilizou como maior centro de tortura daquele país, onde teriam sido assassinadas ou sofrido agressões 5 mil pessoas. O local ficou conhecido como "empresa do crime" e "Auschwitz argentina" (em referência ao campo de concentração nazista). Mais tarde, virou um museu.
O envolvimento de González e Salvia com o GT 3.3/2 consta em processo que apura a morte do jornalista e escritor Rodolfo Walsh, do qual a dupla é formalmente acusada. Em 23 de março de 1977, Walsh, 50 anos, foi cercado nas ruas de Buenos Aires, ferido a tiros e levado por cerca de 30 homens para o quartel da Esma. O escritor era autor de uma carta à nação, revelando atrocidades e violações aos direitos humanos cometidos pelos militares no aniversário de um ano do golpe. Além de González e Salvia, outros 10 agentes da repressão são acusados do sumiço de Walsh, entre eles o então tenente Alfredo Astiz, o Anjo Loiro da Morte, e o capitão Jorge "El Tigre" Acosta (chefe do grupo), ambos condenados à prisão perpétua.


Integrante da banda de Toquinho e Vinícius, Tenorinho nunca mais foi visto
Investigações apontam que do mesmo GT 3.3/2 fez parte Claudio Vallejos, torturador argentino preso em Santa Catarina, em 2013, acusado do desaparecimento do pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Junior, o Tenorinho. O músico de 35 anos integrava a banda de Toquinho e Vinícius de Moraes e foi sequestrado após um show da dupla em Buenos Aires, na noite de 18 de março de 1976. O pianista havia saído do Hotel Normandie, onde estava hospedado, para ir a uma farmácia quando foi abordado por quatro homens. Seu corpo jamais foi encontrado. Em entrevistas após ser capturado, Vallejos chegou a admitir que era o motorista do grupo que sequestrou o músico brasileiro.
Jango teria pedido canção de protesto para artistas
Tenorinho foi uma das vítimas da Operação Condor – acordo de cooperação entre militares na América do Sul para exterminar opositores. A decisão de prender o músico teria ocorrido em um intervalo do show, quando uma ilustre figura na plateia, o ex-presidente brasileiro João Goulart, deposto em 1964 e exilado na Argentina, se aproximou dos artistas. Jango teria pedido uma canção de protesto aos músicos. Como resposta, ouviu que falariam com o ex-presidente mais tarde.
Tudo indica que confundiram o pianista com um subversivo porque usava cabelo e barba compridos. Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos no Rio Grande do Sul, que ajudou a família de Tenorinho a obter indenização do governo argentino, suspeita que o real alvo seria Vinícius de Moraes, que havia sido servidor do Itamaraty no Exterior.
– O mesmo grupo fez os dois sequestros. Ele (González) poderia não estar junto na noite que Tenorinho foi preso, mas deve saber o que ocorreu – opina Krischke.
Advogados querem anular extradição
Os advogados gaúchos Rodrigo Mariano da Rocha e Guilherme de Mattos Fontes trabalham para que o Brasil rejeite o pedido da Argentina para extraditar o policial federal Roberto Oscar González. Ambos entendem que González, vivendo há 10 anos no Rio Grande do Sul, tem direito a receber o mesmo tratamento previsto na lei que anistiou agentes da repressão e insurgentes do regime militar no Brasil. Os advogados argumentam ainda que González é um preso político, e, por isso, não poderia ser extraditado. Além disso, os crimes pelos quais é acusado já estariam prescritos.
– O país que pede a extradição deve se submeter ao que é determinado pelo país que acolhe o pedido. A Argentina assinou um acordo para a extradição de Manuel Piacentini (militar uruguaio que vivia em Santana do Livramento, e foi extraditado para Argentina a pedido daquele país por suspeita de ter integrado a Operação Condor) em 2009, no qual não o julgaria por crimes prescritos no Brasil e nem aplicaria pena superior a 30 anos, o máximo no país, em caso de condenação. A mesma regra vale para González – argumenta Fontes. O colega dele garante que o ex-policial federal desconhece o caso do pianista Tenorinho e que não teve envolvimento na morte do jornalista e escritor Rodolfo Walsh.
– González apenas participou do cerco que a polícia organizou na área onde ocorreu a prisão de Walsh. Ele não deve responder por esse crime – afirma Rocha.
Os criminalistas gaúchos vão ingressar no Supremo Tribunal Federal (STF) com um pedido de liberdade para González, e reivindicam que a corte declare inconstitucional o artigo 84 do Estatuto do Estrangeiro – que determina a prisão preventiva enquanto tramita o processo de extradição. Se o pedido de liberdade não for aceito, os advogados querem que González seja recolhido a uma prisão especial por ser policial.
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